Armazéns

Vendendo de tudo para 

as fazendas de café

 As histórias das famílias italianas com atividade destacada no comércio de Botucatu são muito parecidas. Todas elas passaram por um período de trabalho na lavoura cafeeira, da região ou em outras localidades e, transferidas para a cidade, procuraram aproveitar o vertiginoso crescimento verificado entre o final  do século XIX (anos 1800) e o início dos 1900.

Esse crescimento, foi caracterizado pelo incremento da atividade cafeeira (cuja renda repousava na exportação do café em saca), com o fortalecimento financeiro dos proprietários das grandes Fazendas (que se afirmavam como a classe proprietária mais capacitada a fazer grandes investimentos na sede do município), e acresceu-se da grande concentração de contingentes enormes de famílias de imigrantes oriundas da  Europa (que passaram a constituir o principal do mercado interno de bens e serviços), desenhando um cenário de rara oportunidade para negócios e enriquecimento.

Foi olhando para essas oportunidades que alguns Oriundi, passados alguns anos de labuta nas "fazendas", se transferiram para a sede do município. Estabeleceram-se, por volta da última década dos anos 1800, nas entradas da cidade, geralmente à beira dos grandes eixos de acesso às fazendas de café, dispostos a suprir de gêneros e outros utensílios aos que nelas habitavam.

O modelo observado de casa comercial era mais ou menos o mesmo que seus concorrentes, os portugueses, já estabelecidos há mais tempo no comércio local: de duas a 6 ou 8 portas, voltadas para a rua, em compartimentos construídos no alinhamento das calçadas e abrigando um pouco de tudo. Esses incríveis armazéns transformaram-se em centros de transações comerciais múltiplas e, por tão ecléticos, constituiram-se na forma predominante de abastecimento das famílias, da cidade ou do campo.

Dois núcleos de armazéns foram os principais em Botucatu: os que se aglomeravam na zona norte da cidade, principalmente na Vila dos Lavradores e nas imediações dos armazéns de carga e descarga da antiga Estrada de Ferro Sorocabana. Alí, no início da Major Matheus e Tenente João Francisco iriam se estabelecer, também, dois fortes comerciantes portugueses: Joaquim Vila do Conde e Manoel da Silva, com casas no mesmo segmento.

Estavam todos de olho no abastecimento das fazendas que rodeavam a cidade, naquele setor: Salto Alto do Lageado (depois Cintra, hoje Pavuna), Lageado (a maior unidade, pertencente à época a João B. da Rocha Conceição), Fazenda Santana (dos Irmãos Vilas Boas), Fazenda Morro Vermelho, e também localizavam-se para fornecer à infinidade de pequenos agricultores que começavam a se estabelecer no distrito da Prata, Rubião Junior, e lugarejos como Faxinal, Toledo e Guarantã (onde italianos saídos das grandes propriedades começavam a adquirir terras).

Para essa entrada ou saída da cidade foram os irmãos Ricardo, Guglielmo, Gerardo e Guido Zanotto, oriundos da região de Veneza, comuni de Padova, aportados ao Brasil por volta de 1890. Depois de passar algum tempo pelas lavouras de café da Fazenda Vila Vit¢ria (Conde de S. Negra) estabeleceram-se numa antiquíssima venda de beira de estrada chamada "Venda Seca", onde atravessaram toda a primeira década do século XX, para mudar-se para o projeto definitivo: um grande armazém de abastecimento, na confluência da Major Matheus com Galvão Severino (então um caminho que levava às Fazendas de Café do Noroeste do Município). Dessa Casa de Gêneros, idealizada para abastecer as fazendas de Café ingressariam em outros ramos de negócios, também nas imediações. 

Na mesma Major Mateus (porém pouco acima, na confluência com a Cruz Pereira), de olho nos mesmos clientes, os irmÆos Virgínio e Mansuetto Lunardi se estabelecem, também, ainda na primeira década deste século, com o Armazém Appenninos - uma alusão à cadeia de montanhas do norte da Itália.

Nascido em 1870, na província de Modena, comuni de S. Pellegrino, Virgínio vem ao Brasil em 97 e inicia suas atividades no comércio, com aquele pequeno armazém. Em 1911, sentindo as possibilidades em vários outros setores, manda buscar o irmão Mansuetto e constitui com ele a sociedade Virgínio Lunardi e Irmão, destinada a se constituir no maior empreendimento da Vila dos Lavradores, com interesses no ramo de automóveis, combustíveis, alimentos, beneficiamento de produtos agrícolas, couro e produção de café.

Na Vila dos Lavradores estabeleceram-se também outros italianos, embora com empreendimentos de menor monta. Quase na descida do chamado Pontilhão da Ferrovia, bem defronte ao grande armazém de Joaquim Vila do Conde, estava instalada a Casa Michelucci. De família grande e com vários interesses na cidade os Michelucci já estavam à frente do Hotel Michelucci (Antonio), instalado no final do século XIX, na confluência da Velho Cardoso com a Riachuelo (atual Amando de Barros). Espalhando-se pela cidade, tocavam ainda uma marcenaria (por volta de 1905) e muito depois, em 1930, uma funerária, na rua Curuzú.

Ainda se instalavam na Major Matheus dois outros armazéns de italianos, dedicados ao comércio de gêneros: A Casa dos Irmãos Cassetari e o armazém de Camilo Mazzoni, uma casa de ferragens.

 Do outro lado da cidade, um segundo centro de concentração dos grandes armazéns de abastecimento localizava-se na Rua Curuzú, no entorno do cruzamento com a Visconde do Rio Branco. Tendo sido a principal rua da cidade, a Curuzú ainda representava, naquele final de século, um centro de decisão e comércio mais pujante do município. Voltados para as grandes propriedades do leste, entre elas as fazendas Monte Selvagem e Indiana, como também para as propriedades que se distribuíam pela estrada de Pardinho, Aracatú e outras localidades, instalaram-se na Rua Curuzú armazéns com o mesmo objetivo: abastecer com gêneros, os povoadores das fazendas dedicadas ao cultivo do café.

O Armazém que mais se destacava, desde o final do século XIX, era a Casa Botti, de Francesco Botti. Expandindo no ramo de negócios, seus proprietários Francesco e Sabino Botti passaram de varejistas de gêneros e afins a exportadores de café, agentes de viagens e de negócios financeiros. A Casa Botti, como se chamava, sob a direção de Sabino Botti sobreviveu longas décadas e ainda estava aberta no início dos anos 40, quando o conjunto de atividades ligadas ao café‚ começou a dar sinais de esgotamento.

 Mais ao sul, na mesma rua Curuzú, situava-se um misto de pouso, botequim e casa de negócios, onde Emílio Cani recebia trabalhadores que traziam seus carroções lotados com café‚ das fazendas e sítios que se localizavam ao longo da Estrada do distrito do Espírito Santo do Rio Pardo, hoje Pardinho, e dos baixos daquele distrito, a Vila do Ribeirão Grande e redondezas. Distante, até desse centro comercial, mas com uma propriedade que fazia frente para a Curuzú e Riachuelo (atual Amando de Barros), já dentro da estrada do Pardinho, localizava-se Angelo Longo, estabelecido com uma pequena venda, uma dessas vendas de beira de estrada, cuja construção ainda hoje existe. Ele e ou outro vendeiro, Emílio Cani, atendiam as Fazendas do setor sul do município.

Um pouco mais para o centro, e nas imediações da Visconde do Rio Branco, atendendo ao grande comércio com as fazendas do setor sudeste, dos altos da serra ou da grande depressão, estava Giovanni Garzezi, estabelecido com armazém na esquina da Rangel Pestana, exatamente no centro mais frequentado pelos trabalhadores da lavoura cafeeira.

Esses centros comerciais, pode-se dizer, tiveram um rítmo igual: prosperaram ao mesmo tempo e feneceram também em igual momento. Seu rítmo estava dado pelo sucesso ou fracasso das fazendas do café. Perderam impulso nos anos trinta e mal chegaram ao final nos anos 40.

Deste segmento comercial saíram para outros setores, com os recursos acumulados neles e garantindo a sobrevivência de seus grupos, alguns fortes empreendedores:  Francesco Botti, Ricardo Zannoto e os irmãos Virgínio e Mansuetto Lunardi.



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